Sempre
comigo - Itsudemo Nandemo – Interprete KIMURA Yumi
(do filme Spirited Away - A viagem de Chihiro de Miyazaki)
Original
Yondeiru muneno dokoka okude
Itsumo kokoro odoru yume wo mitai Kanashimi wa kazoe kirenai keredo Sono mukoude kitto anataniaeru Kurikaesu ayamachi no sonotabi hito wa Tada aoi sora no aosawo shiru Hateshinaku michiwatsuzuite mieru keredo Kono ryoute wa hikariwo idakeru Sayonara no tokino shizukanamune Zeroni narukaradaga mimiwo sumaseru Ikiteiru fushigi shindeiku fushigi Hana mo kaze mo machi mo minnaonaji Yondeiru muneno dokoka okude Itsumo nando demo yumewo egakou Kanashimi no kazuwo iitsuku suyori Onaji kuchibiru de sotto utaou Tojiteiku omoideno sononakani itsumo Wasuretakunai sasayakiwo kiku Kona gonani kudakareta kagami no uenimo Atarashii keshiki ga utsusareru Hajimari no asa(no) shizukana mado Zeroni narukarada mitasarete yuke Umi no kanatani wa mou sagasanai Kagayaku monowa itsumo kokoni Watashi no nakani mitsukeraretakara |
Tradução
Em algum lugar, uma voz
chama do fundo do meu coração
que eu possa sempre sonhar, os sonhos que movem meu coração Tantas lágrimas de tristeza, incontáveis lágrimas rolaram Eu sei que do outro lado, eu encontrarei você Toda vez que nós caímos no chão, nós olhamos para o céu azul lá no alto Nós acordamos para a sua imensidão azul, como se fosse a primeira vez Como o caminho é longo e solitário e não enxergamos o fim Posso abraçar a luz com meus dois braços, Quando digo adeus, meu coração pára, com ternura eu sinto Meu corpo vazio e silencioso passa a ouvir o que é real O milagre da vida, O milagre da morte O vento, a cidade, as flores, todos nós dançamos em união Em algum lugar, uma voz chama, do fundo do meu coração Continue sonhando seus sonhos, nunca deixe eles partirem Por que falar das suas tristezas ou sobre as angústias da vida? Deixe teus lábios cantarem uma linda canção para você Não esqueceremos a voz sussurrante em cada lembrança ela ficará sempre para guiar você Quando um espelho se quebra, estilhaços se espalham pelo chão lampejos de uma vida nova, refletem-se por toda parte Janela de um recomeço, silêncio, nova luz da aurora Deixe que meu corpo silencioso e vazio seja preenchido e nasça outra vez,
Não precisa procurar lá
fora, nem navegar através dos mares
Porque brilha aqui dentro de mim, está bem aqui dentro de mim Encontrei uma luz, está sempre comigo
Lá,Lá,Lá...
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O valor do cinema não se mede apenas por aquilo que se vê na tela,
mas também pelas idéias e sentimentos que ressoam no indivíduo quando
ele já deixou a sala de projeção. Seria injusto para muitos filmes
julgá-los apenas por aquilo que eles falam e mostram. Apreciá-los
adequadamente exige atenção àquilo que é dito e sugerido e sobretudo
àquilo que resulta da soma entre a imagem real do filme e a imagem
mental e sentimental que fazemos dele. De algum modo, o filme continua
sendo exibido em nossas mentes depois que o vemos.
São exemplos de filmes desse tipo as animações feitas por Hayao
Miyazaki. Fundador do Studio Ghibli, Miyazaki é considerado o maior
mestre do cinema de animação da atualidade.
A obra de Miyazaki possui três características muito fortes, que
podem ser vistas em quase todas as suas animações: (1) o visual
deslumbrante, de cores vivas e traços bem-definidos; (2) as histórias
cheias de fantasia e originalidade, (3) que falam de forma quase
mitológica sobre os sentimentos, experiências e problemas humanos. A
soma dessas três características — exuberância, fantasia e humanidade —
rendeu-lhe Oscar em 2003 com A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi; aqui também, um artigo interessante sobre este desenho). A fórmula — se é que se trata de uma fórmula — foi repetida em Castelo Animado (Hauru no Ugoku Shiro), produção mais recente do Studio Ghibli, e já podia ser vista em seus primeiros longa-metragens, como Laputa e Tonari no Totoro, e também em Mononoke Hime, grande sucesso de 1997, que chegou a bater Titanic nas bilheterias japonesas.
Castelo Animado conta a história da jovem Sophie, uma
chapeleira muito dedicada que se envolve com o mago Howl (Hauru), cujas
intenções são misteriosas. Seu envolvimento com o mago atrai a antipatia
e inveja da Bruxa do Pântano, que joga um feitiço em Sophie, que a
transforma numa velha de 90 anos. Para desfazer o feitiço, ela deixa a
cidade em que vive e acaba indo trabalhar no castelo ambulante de Howl,
um lugar mágico que se desloca no tempo e no espaço. A magia do castelo é
mantida por Calcifer, o fogo mágico, que é quem ajuda Sophie a se
adaptar à sua nova vida.
Todas as noites Howl assume a forma de um pássaro e luta contra dois
exércitos que se enfrentam numa guerra de razões desconhecidas. A força
destrutiva da guerra contrasta com a delicadeza vitoriana e a vivacidade
do lugar em que Sophie vivia. Calcifer revela a Sophie que pode
desfazer o feitiço que a atingiu, desde que ela descubra a ligação dele
com Howl.
Embora seja um mago experiente, Howl demonstra ser um homem imaturo.
Sua vida noturna oferece o risco de aprisioná-lo na forma de pássaro.
Quando Sophie é aceita para viver e trabalhar no Castelo, ela encontra
um lugar sujo e desorganizado — trabalho árduo para uma jovem senhora de
90 anos. Sophie adapta-se bem à sua nova condição. A seriedade e o
solipsismo de sua juventude eram na verdade características de uma
pessoa idosa.
Seria apenas mais uma história de fantasia não fosse por alguns
sinais de humanidade em personagens aparentemente pouco humanos. Howl e
Sophie foram enfeitiçados. O feitiço lançado em Sophie transformou-a em
velha; o feitiço lançado sobre Howl deu-lhe poderes mágicos, entre eles a
capacidade de se transformar em pássaro. Sophie apaixona-se por Howl,
que é um solteiro típico: desleixado com a própria casa, vaidoso,
egocêntrico, aventureiro, forte e viril. Sophie serve como contraponto a
Howl: ela é frágil e delicada, apaixonada e idealista, decidida e
batalhadora.
Para Miyazaki, o feitiço é um símbolo da resistência ao processo de amadurecimento. Em A Viagem de Chihiro,
o feitiço era a prisão num universo desconhecido, como em Alice no País
das Maravilhas, e para quebrá-lo Chihiro conheceu o amor e ultrapassou a
linha que separa a infância da pré-adolescência. Em Castelo Animado,
o feitiço de Sophie faz com que ela ultrapasse a linha que separa a
adolescência da idade adulta. Não me refiro aqui às ações e expectativas
típicas dessas fases da vida; refiro-me antes às emoções, à maturidade
sentimental a que as experiências nos conduzem.
O feitiço da Bruxa do Pântano não transforma Sophie em velha, apenas
faz com que ela tenha a aparência que corresponde aos seus sentimentos.
Sophie tem 18 anos, mas por dentro é uma velha de 90 anos; o feitiço
apenas revela sua velhice. A chave para compreendê-lo é oferecida com
muita sutileza. Em determinado momento da história Sophie aparece
dormindo, novamente com sua aparência jovem, cabelos escuros; dorme
delicadamente, sem guardar nenhum traço da idade que aparentava durante o
primeiro dia de trabalho no Castelo de Howl. A aparência de Sophie
varia entre a juventude e a velhice conforme o seu estado de espírito.
Quando sua atitude é decidida e vibrante, Sophie rejuvenesce e alinha a
postura. Quando Sophie está triste e desanimada, seus traços envelhecem e
sua postura se torna recolhida e encurvada.
Sophie não consegue desfazer o feitiço que a transformou em velha,
embora ela termine a história novamente como a jovem de 18 anos que era
no início. Ela apenas reencontra a juventude dentro de si — através do
amor que sente por Howl e das experiências pelas quais passou enquanto
trabalhava no Castelo.
Sophie e Howl personificam arquétipos muito conhecidos. Howl não é
diferente de Peter Pan, o menino que nunca cresce, aprisionado na eterna
juventude e imaturidade. Sophie não é diferente de Wendy, a menina que,
movida pelo amor que sente por Peter Pan, pretende ajudá-lo a crescer e
amadurecer. O mal de que Sophie e Howl padecem é o mal do tempo. Sophie
tem o corpo jovem e a alma de uma velha. Howl é um mago poderoso, mas
por dentro é ainda um menino frágil.
A mensagem que Miyazaki pretende transmitir em Castelo Animado não é diferente daquela presente em A Viagem de Chihiro.
Os males — os feitiços — de que padecem as pessoas são males
auto-infligidos. Causas e curas estão na alma do próprio doente. E o
maior mal é a inadequação diante da própria realidade. Em mundos de pura
fantasia, Miyazaki fala de como lidar com a realidade e dos problemas
que encontramos quando a ignoramos.
Chihiro é a criança que aprende a amar, e é através do amor que ela
aprende a crescer, a deixar a infância para trás. Ao contrário de muitos
contadores de história, Miyazaki não é cruel. Enquanto muitos preferem
associar o amadurecimento ao endurecimento que o sofrimento causa,
Miyazaki sugere um caminho diferente: a maturidade para o mestre japonês
é o reconhecimento dos próprios sentimentos e do modo como eles nos
conduzem, às vezes por caminhos obscuros e difíceis. Mas não há
pessimismo nisso, não há traços do sentimentalismo tal como ele é
mostrado por cineastas ocidentais, sempre como algo dramático demais ou
eufórico demais. Miyazaki pede apenas que se observem os sentimentos,
que se lhes respeitem — eis o realismo mais importante.
Que o amor seja mostrado como o sentimento que desfaz todos os
feitiços, é algo que torna os desenhos de Miyazaki ainda mais
fascinantes. O romantismo de suas histórias é, contudo, muito sutil. Em Mononoke Hime,
ele é a lágrima de Ashitaka quando este recebe alimento da boca de San
(Mononoke). Sen lhe dá vida, o que não é diferente de oferecer ou fazer
amor. Isso é simbolizado por esse beijo estranho mas pleno de amor e
ternura. Em A Viagem de Chihiro, o amor é a súbita percepção de
que Haku — por quem ela tem sentimentos dos quais ainda não tem plena
consciência — na verdade era o rio em que Chihiro caiu em sua primeira
infância. Ela esteve envolvida por ele, e o amor de alguma forma é uma
espécie de simbiose. Outrora Haku e Chihiro estiveram intimamente juntos
— e o amor é conhecimento e intimidade.
Em Castelo Animado, o amor é mostrado de forma mais evidente
e linear, mas as metáforas visuais foram mantidas, o que sempre
proporcionou bons resultados no cinema. O final feliz do jovem casal —
Sophie e Howl — é simbolizado pelo vôo do Castelo, antes preso ao
movimento desengonçado e terreno. Se a incompreensão sobre as próprias
emoções prende-nos em labirintos obscuros e assustadores (como era o
Castelo quando Sophie chega), o amor é a força que nos conduz através
deles e faz com que a vida se eleve. Talvez o amor não rejuvenesça, como
aconteceu com Sophie, mas certamente renova a vida e nos faz perceber
realidades que nossa condição terrena insiste em ignorar.
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